Laurent Le Bon (esquerda), presidente do Centre Pompidou, e Ratinho Junior (direita), governador do estado do Paraná. Foto: Jonathan Campos / Agência Estadual de Notícias (AEN).
Centre Pompidou Paraná quer preencher uma lacuna enorme, mas não pelo melhor caminho
Desde meados de 2020, um estado do sul do Brasil tem a vontade de ter sua filial de um museu internacional. Em 2022, os trabalhos iniciaram e, em 2024, a palavra foi dada: Foz do Iguaçu ganhará o seu Centre Pompidou. Até hoje alguns se pegam pensando “mas por que Foz do Iguaçu, o Paraná?”. Eu mesmo, por um tempo, fiquei assim.
E por que não?
Enquanto instituição internacional, o Centre Pompidou certamente está no menu principal dos museus que se comportam como obras de arte – no sentido canônico do termo mesmo. São feitos para serem impactantes, gigantes, e chamar público como cartões postais.
No exterior, uma arquitetura que desafia a paisagem, ganha dela com suas escolhas ousadas, materiais simbólicos. São exercícios de design nada menos que espetaculares, assinados por grandes nomes da arte. No interior, as exposições mais badaladas e divulgadas costumam ser aquelas interativas, ambientais, imersivas, ocupando grandes espaços e gerando filas – sinais de sucesso.
Então, a resposta não parece tão complicada. Foz do Iguaçu recebe mais de 2 milhões de visitantes ano após ano. Só no turismo de negócio e eventos, ficou em terceira entre todas as cidades brasileiras, em 2024. E o Pompidou, por sua vez, adora turistas.

Pesquisadores da arte tão grandes quanto Claire Bishop e Hal Foster, por exemplo, costumam não ver com ótimos olhos a lógica de funcionamento dessas instituições, encarando-as mais como captadoras de ingressos do que formadoras de público. Com sua “startchitecture”, como definiu Bishop, o seu fardo é, geralmente, fazer da “embalagem algo mais importante que o conteúdo”. É o efeito “uau” sendo priorizado, em vez das ações de pesquisa, ensino e difusão cultural, que são, por definição, a essência de um museu.
Neste sentido, não é surpresa que a arquitetura do futuro Centre Pompidou Paraná, assinado pelo paraguaio Solano Benítez seja um ativo tão importante. Premiado na Bienal de Veneza de 2016, o arquiteto apresentou um projeto que une materiais sustentáveis, adaptação climática e o diálogo com a paisagem local. Na sua fala, valoriza os saberes indígenas de construção, a inclusão das comunidades regionais e uso de estratégias para lidar com as mudanças climáticas.

O Pompidou, por sua vez, como uma multinacional, é conhecido por acompanhar os movimentos do capital global para sustentar suas investidas. A sede parisiense fechará este ano para renovações, depois que o fundo soberano da Arábia Saudita prometeu uma doação de €50 milhões, em acordo diplomático com a França. Por lá, os ingressos para visitantes custam 17 euros.
Nos últimos anos, a instituição enfrentou algumas dificuldades financeiras. Em 2022, seu lucro (que vem, em grande maioria, dos ingressos vendidos) alcançou 132 milhões de euros, segundo apurações. Isso representou somente 31% do montante necessário para aquele ano. Os outros 69% vieram de investimentos públicos.
Manter um museu de arte não é barato. E uma estratégia que o Pompidou adotou para cobrir despesas foi o aluguel do seu nome e prestígio para algumas cidades ao redor do mundo dispostas a pagar – pelo menos, a princípio.
Em 2023, os planos para construção da filial na cidade de Nova Jersey (o “Centre Pompidou x Jersey City”) esfriaram depois que pessoas acharam o projeto caro demais. O custo seria de US$6.9 milhões por ano somente para poder usar o nome da instituição, seu corpo consultivo, acervo e estrutura de programação. Os planos parecem ter sido retomados no fim do ano passado. No caso do Paraná, não ficou claro, até então, como vai funcionar o investimento para que a filial funcione.

A “indústria da experiência”, como alguns definem o estilo Pompidou de ver a arte, há algum tempo é um pilar do funcionamento de muitos museus. Além de servir de chamariz, faz com que essas instituições sejam celebradas por impactar outras indústrias. Não vendem somente ingressos, mas passagens aéreas, diárias em hotéis, almoços em restaurantes, entradas em parques. Funcionam como um “ciclo quase perfeito de produção e consumo”, como já definiu Hal Foster. Afinal, não é barato manter um museu desses.
Em Foz do Iguaçu, parece que o Pompidou foi recebido de braços bem abertos. Além dos os R$200 milhões de investimento do governo estadual, também ganhou um terreno cedido pela empresa que administra o aeroporto da cidade, bem ao lado do seu principal ativo turístico: as Cataratas do Iguaçu. E não é surpresa que a instituição tenha chegado aqui, aterrissando ao lado de uma das sete maravilhas do mundo natural, no país da COP30.
Larry Shiner, historiador da arte contemporânea, coloca a instituição como uma das primeiras que, nos anos 1970, popularizou a “alta cultura” como uma forma de lazer, na esteira das demandas do movimento de maio de 1968. E não há problema algum com isso. E se pode soar elitista a crítica a ideia de levar o que há de mais apreciado em arte contemporânea para um público mais amplo, qual seria o problema aqui? Estariam impedidos os museus de operarem numa lógica de mercado? Um Estado não pode querer aumentar seu número de turistas, ou se jubilar por ganhar “o primeiro museu internacional da América Latina”? A preocupação é outra.
Para nós, que gostamos e acreditamos na cultura e no poder transformador das artes, vivendo num país que costuma duvidar de tudo isso, a dúvida que fica é se, seguindo a lógica da “starchitecture”, todo esse investimento não seja apenas um discurso envelopado em superlativos, sem muita substância.
O que falta
Pois é precisamente o que ainda não existe – e deveria – que coloca nosso pé atrás. Não existe no Paraná um circuito cultural estabelecido, pujante e autossustentável. E há problemas graves justamente naqueles elementos que, na realidade do Estado, estão na linha de frente das ações artísticas: as instituições públicas.

O aparente esquecimento da sede do Museu de Arte Contemporânea (MAC-PR) é a primeira coisa que vem à mente. Com obras paradas desde 2019 – dizem que por ação judicial de uma empresa que perdeu a licitação da reforma -, o prédio parece estar caminhando para se tornar ruína. Neste ano, uma extensão da instituição, foi anunciada, que deve ser fruto de investimento da Audi. A sede recebeu um tapume colorido, indicando novidade, que ainda não sabemos qual é.
Hoje, o MAC-PR funciona no prédio do Museu Oscar Niemeyer (MON), que também abriga seu acervo. A entrada inteira custa R$36, sem desconto para residentes de Curitiba ou do Paraná. Na formação da nova força de trabalho da cultura, talvez a principal falta. O prédio da Escola de Música e Belas Artes do Paraná está fechado desde 2010, e há anos recebe pequenos reparos que evitam um risco maior de colapso total. Em 2019, o atual governador, Ratinho Junior (PSD), engavetou um projeto de reforma do prédio, aprovado pela Assembléia Legislativa do Paraná ainda em 2010. A desculpa, aparentemente, foi falta de orçamento. O custo à época? 14 milhões de reais.

E na educação básica, o histórico não é muito melhor. Em 2022, no apagar das luzes do ano letivo, a Secretaria do Estado da Educação alterou a matriz curricular para substituir a disciplina de Artes pela de Educação Computacional em mais de 1800 escolas estaduais. Depois de protestos dos professores, a disciplina voltou para 56% das escolas apenas. A justificativa principal seria a falta de professores.
Um museu bem grande, mas não o suficiente
A quantia de R$200 milhões é bastante investimento para a cultura e a educação de um Estado. E nos discursos do governo local, o protagonismo parece compensar tudo. O “primeiro museu internacional no Brasil” vai “colocar o Paraná num roteiro cultural mundial”, prometeu o governador. Mas, por maior que seja a estrela que fica no topo da árvore, ela não garante um corpo que se sustente sozinho.
Foi um sopro ler o relato da diretora de implantação do novo museu, Carolina Loch, que quer “construir um museu que pertence às pessoas, que reflete suas histórias e atende suas necessidades.”. Perfeito, já que segue a definição do que deve ser um museu, como definido pelo Conselho Internacional de Museus (ICOM). Só não deixa de ser preocupante que a “escuta pública”, como foi anunciada, tenha ocorrido somente em abril deste ano, na reta final do projeto, após tanto aprovado.
Agora, só resta a espera. A ver se o desenvolvimento do cenário artístico do Paraná, a formação de seu público e força de trabalho, vão ganhar tanto quanto o setor turístico e a instituição francesa. Por enquanto, eles não parecem andar juntos.