Autoria: Kraw Penas/SEEC-PR.
Há algum tempo o Museu Paranaense não tem camuflado suas exposições entre os muitos adornos das paredes da antiga Residência Garmatter, onde fica a instituição, no centro de Curitiba. Ainda bem. Em anos recentes, a instituição tomou a escolha de encarar a história e a memória locais mais como um meio do que um fim. E isso tem aparecido nas mostras, nos vínculos institucionais, nos mobiliários, na identidade visual. Mais importante, está na plataforma oferecida para ideias e movimentos novos.
Nesse jogo, uma vitrine ganha outra lógica. Acostumada a guardar velhos retratos da elite local – sobre aqueles que parecem vir de outro tempo -, ela dá espaço a experimentos que oxigenam as expectativas do que pode se encontrar entre as salas de um museu histórico. No chamado “Espaço Vitrine”, artistas selecionados por meio de um edital público vêm, nos últimos anos, testando soluções que continuamente propõem novas dinâmicas e despertam faíscas entre o que se vê e quem olha.

Nas últimas edições, vimos esse diálogo acontecer de várias formas. Em 2023, Luana Navarro lançou um imperativo. Não tanto para controlar, mas para convocar uma tomada de posição contra tudo que não é meu ou seu. Procurem-se(2023) é um gesto corajoso, de transformar uma palavra única em exposição individual. Iniciado anos antes, o projeto nasceu de forma lúdica, por meio da distribuição de adesivos, que volta e meia encontrávamos em poster por aí.
Para o Espaço Vitrine, cada letra ganhou escala de pessoa, de corpo. Não foi uma exposição de vazios – impressão que talvez dominaria, não fosse o vermelho intenso nos contornos. Ali, a palavra assumiu força de gente, em tamanho e agência. A conversa entre os dois lados do vidro se dava pela tensão constante entre os dois estados: a arte que procurava e o outro, que estava ainda por procurar.

Autoria: Rafael Dabul.
Antônio Gonzaga Amador e Jandir Jr. começaram a conversa por meio da performance. Em Vidro (2023), a vitrine permanecia praticamente vazia, com exceção dos dois artistas que atuavam como seguranças, vigiando o lado de fora. Vestidos com ternos, com as mãos para atrás, encaravam, pressionavam o rosto contra o vidro, inquietavam quem aparecia. Sobretudo, convidavam. Em tantos momentos, com naturalidade de quem pesquisa sobre segurança, trabalho e racialidade há tempos, sua performance era silenciosa e, beirando a imitação. A estranheza que emerge da situação bagunçava a relação entre quem olha e é olhado, sugerindo vários porquês.

Autoria: Heloisa Nichele/MUPA.
Outra vez, a vitrine caiu. Abriu-se uma plataforma de criação coletiva, espaço para colaboração entre estranhos. Encontros (2024) de Augusto Leal foi assim. Suas instruções eram bastante claras: “Convide uma pessoa para pintar a sua sombra, preferencialmente um desconhecido. Pinte do jeito que quiser”. Sai o vidro, entram as mãos, as cores, as coletividades e os indivíduos. Mais do que fazer um trabalho interativo, Augusto utilizou as minúcias do lugar, aproveitando a entrada de luz natural naquele ponto específico do prédio que favorece o aparecimento de sombras dos espectadores. A partir daí, a vitrine virou espaço de construção.
Em cada projeto há uma conversa entre corpos que se olham, ligados por histórias invisíveis, imperativos reflexivos, presenças inquietantes. Para além da presença poética, também um exercício de delicada montagem, na tensão entre adição e subtração, para encontrar o lugar que potencializa essa troca entre seres e matérias em tom de igualdade – mas não sem tensões.
Neste ano, o Edital Vitrine chega à sua 5ª edição, com o tema Boca de Arquivo. Como sempre, uma articulação entre a natureza da instituição e a arte brasileira atual. Traz, mais uma vez, a força de vontade de fazer um espaço cultural pulsante com a colaboração de outros modos de fazer. Assim, se consolida não somente como edital público (e único) aberto para artistas de todo o Brasil, mas também uma plataforma para ler a história de outros ângulos.
