Antecedendo a abertura oficial da Bienal de São Paulo, a equipe curatorial apresentou o programa da 36a edição nesta quinta-feira, 6. Veja o que esperar de um dos maiores eventos de arte do mundo.
O papel institucional
A diretora da Fundação Bienal de São Paulo, Andrea Pinheiro, abriu os trabalhos destacando o impacto social e econômico do evento, descrevendo que o objetivo geral desta edição é promover uma cultura acessível e inclusiva.
Pinheiro reforçou a gratuidade da Bienal e como as portas abertas permitem um público amplamente diverso, que vai desde crianças em idade escolar até especialistas internacionais em artes visuais.
As principais características institucionais desta edição são: a ampliação do período de exposição até janeiro de 2026; o tamanho da equipe: são cerca 1500 pessoas envolvidas em todos os processos de desenvolvimento da exposição; e o maior investimento no programa educativo da história da Fundação, incluindo a publicação de quatro cadernos pedagógicos.
Se a 36a Bienal já começa grande, Pinheiro estabeleceu metas ainda maiores: receber 100 mil crianças através do programa educativo e qualificar 25 mil professores da rede pública.

Retrato de Alya Sebti, co-curadora da 36a Bienal de São Paulo. Foto: João Medeiros/Fundação Bienal de São Paulo.
Núcleos expositivos são “capítulos”
Iniciando a apresentação do programa conceitual, a co-curadora marroquina, Alya Sebti, disse que uma das questões principais que embasou a pesquisa curatorial foi como cultivamos relações humanas e uma imaginação coletiva. Ela explicou que a exposição foi pensada como um grande livro cheio de sentidos sinestésicos e, como tal, está organizada em seis capítulos.
Capítulo 1: “Frequências de chegadas e pertencimentos” convida a olhar para o solo, às potencialidades da terra e às vibrações que sustentam a vida.
Capítulo 2: “Gramáticas de insurgências” concentra trabalhos que abordam diferentes formas de resistência à desumanização.
Capítulo 3: “Sobre ritmos espaciais e narrações investiga” as marcas deixadas por deslocamentos, migrações e transformações urbanas.
Capítulo 4: “Fluxos de cuidado e cosmologias plurais” apresenta obras que rompem com modelos coloniais e patriarcais de cuidado.
Capítulo 5: “Cadências de transformação”, a mudança é vista como condição permanente.
Capítulo 6: “A intratável beleza do mundo” encerra o percurso celebrando a beleza como ato de resistência.

Humanidade como prática e Pavilhão como estuário
O co-curador Thiago de Paula Souza iniciou dizendo que toda prática curatorial é realizada coletivamente. Ele revelou que o convite para a 36a Bienal chegou do curador-chefe, Bonaventure Soh Bejeng Ndikung, por uma mensagem privada no Instagram.
Souza destacou o papel das práticas artísticas na construção de imaginários políticos e explicou a amplitude da imagem dos estuários como conceito curatorial e como a combinação das características únicas de estuários ao redor do mundo dão coesão ao projeto.
Em meio à exuberância da fauna e flora dos estuários, estão questões que vão desde a poluição por microplásticos e disputas territoriais, até culturas vivas e singulares, como é o caso do movimento Manguebit no nordeste brasileiro.
Trata-se de uma imagem vasta e complexa, mas necessária para pensar a “humanidade como prática” e fazer jus à premissa de que “nem todo viandante anda estradas”. Segundo Souza, isso representou um esforço de pensar as práticas humanas sem se limitar a concepções antropocêntricas.

Retrato de Keyna Eleison, co-curadora at large da 36a Bienal de São Paulo. Foto: João Medeiros/Fundação Bienal de São Paulo.
“Invocações” como metodologia curatorial
A curadora at large, Keyna Eleison, definiu a exposição como espaço de vibração e cuidado para sentir com o corpo inteiro. Segundo ela, “preparar uma bienal é preparar um campo de disputadas através de processos de escuta para superar processos engessados”.
De modo pragmático, isso foi realizado através das “Invocações”: encontros realizados em quatro localidades internacionais, reunindo artistas, poetas, músicos e ativistas em performances, debates, rituais e apresentações, discutindo e encenando a humanidade.
Essas experiências funcionaram como um “ritual inicial” que desaguou na exposição em São Paulo, trazendo histórias e idiomas, sabores e sons, estéticas e ritmos que atravessaram oceanos e fronteiras. As cidades onde as “Invocações” aconteceram não foram escolhidas com base em mapas tradicionais ou em circuitos artísticos previsíveis. Eles são locais de travessia e de conexão.
Eleison descreveu como as experiências vividas em cada um desses lugares alimentou a premissa conceitual para a 36a Bienal. Segundo ela, as “Invocações” foram dispositivos de pensamento, que não ilustram, mas constroem o conceito curatorial: “foram eles que tornaram possível uma nova configuração de expografia”.
Marraquexe, ensinou que o som também é arquivo. A ideia dos Souffles traz como temas a circularidade e a precariedade da respiração, a música Gnawa como modo de ser, as culturas sufis e a escuta como prática de coexistência, assim como a criação de lugares e espaços: “escutamos os espíritos”.
Guadalupe ensinou a dança.O Bigidi é um estilo baseado na improvisação, que alterna momentos de ruptura e continuidade em um constante esforço para manter o equilíbrio: “é o famoso balança mas não cai”.
Zanzibar ensinou a poesia e a melodia. O Taarab é um gênero musical que simboliza a hibridez cultural da ilha e ressoa como um meio profundo de expressão, sentimento e resiliência e tem na improvisação seu elemento fundamental: “improvisar é uma tecnologia da existência”.
Tóquio ensinou o valor do desconforto diante da tecnologia. O conceito Bukimi no Tani (“O vale da estranheza”) explora a complexa relação entre humanos e máquinas, por meio de práticas sonoras, performáticas e visuais. Para Eleison, é o “vale da inquietude” diante de algo que é quase humano, que gera desconforto e dúvida sobre os limites entre corpo e imagem.

Curadores como aves migrantes e as “Aparições” pelo mundo
A consultora de comunicação e estratégia, Henriette Gallusentendeu, revelou que quando entendeu a proposta da “migração como processo criativo”, ficou com certo desconforto. Isso porque ela tem fobia de pássaros: “o bater das asas é estressante”. Mas, ao longo do processo, Gallusentendeu aprendeu que “voar é preciso” e que a pesquisa curatorial dependia de um “flanar sobre ondas polifônicas”.
A consultora apresentou o projeto “Aparições”, uma iniciativa inédita na história da Bienal de São Paulo, desenvolvida em parceria com a plataforma WAVA. Utilizando tecnologia de realidade aumentada, fragmentos, extensões e ecos das obras da 36a edição se manifestarão em localizações internacionais.
O processo com os artistas participantes partiu da pergunta: “se você pudesse escolher qualquer lugar do mundo, para onde iria?”. Assim, foram selecionados locais como as margens do Rio Congo, a fronteira entre México e Estados Unidos, parques urbanos de São Paulo e cidades na África e na Ásia.
Os visitantes podem acessar os trabalhos somente nos locais determinados, pelo celular através de aplicativo, criando uma experiência sensorial e globalmente acessível.

A experiência humana na conexão entre realidade experimentada e exposição vivida
O curador geral, Bonaventure Soh Bejeng Ndikung finalizou a apresentação do projeto curatorial citando o poema “A casa de hóspedes” de Rumi, poeta e teólogo sufi persa do século XIII. O texto fala sobre hospitalidade, generosidade, convivência, interdependência, humildade e otimismo. Bonaventure destacou a importância desses valores, explicitando como, durante o processo de produção da Bienal, o mundo testemunhou um aumento da “desumanização”, com a falácia de que a guerra é necessária para alcançar a paz e com a destruição sistemática do meio-ambiente.
Diante deste cenário, 36a edição se apresenta como uma pergunta: “quais outros caminhos podemos percorrer enquanto humanidade?” Em suma, o curador entende que “ser humano não é algo passivo”, mas uma experiência diária. E que portanto, a exposição deve ser vivida com atenção e “com todo o corpo”.
