Obra de Ernesto Neto no edifício Tom Delfim Moreira no Rio de Janeiro. Empreendimento da Gafisa. Foto: Revista Veja.
Não é somente dentro dos apartamentos de colecionadores que obras de arte habitam o cotidiano privado de consumidores de alto poder aquisitivo: é comum que condomínios residenciais luxuosos possuam produções artísticas espalhadas por suas áreas comuns. Apesar de não ser uma prática nova, as incorporadoras têm investido cada vez mais em atualizações desta estratégia, buscando se destacar em um mercado imobiliário super competitivo.
Na SP-Arte 2025, uma pintura de Di Cavalcanti que estava há décadas instalada no hall de um edifício em Copacabana, foi anunciada e vendida por aproximadamente R$8 milhões
Na edição deste ano da maior feira de arte da América Latina, a Galatea, galeria dos sócios Antonia Bergamin, Conrado Mesquita e Tomás Toledo, apresentou, pela primeira vez ao grande público, um painel produzido em 1969 por Emiliano Di Cavalcanti (1897-1976). Fruto de uma encomenda feita pela empreiteira H. C. Cordeiro Guerra, a obra foi instalada no hall do Edifício Machado de Assis, em Copacabana, no Rio de Janeiro e, desde quando chegou ao prédio (no mesmo ano de sua produção), nunca havia saído do edifício.
Detalhe da obra de Di Cavalcanti. Foto: Galatea.
A pintura foi concebida com inspiração na personagem Capitu, em referência ao escritor que dá nome ao edifício. Detalhes sobre as negociações entre os atuais representantes do condomínio e a Galatea não foram divulgados. Mas na segunda-feira, 7, dia seguinte ao encerramento da SP-Arte, a venda da obra foi confirmada pelo jornal Folha de S. Paulo.
Entre as décadas 1950 e 1970, a H. C. Cordeiro Guerra foi uma das maiores e mais conhecidas construtoras do Rio de Janeiro e chegou a construir mais de uma centena de prédios residenciais e comerciais, entre eles o famoso Cassino Atlântico. Em 1969, três notas sobre o comissionamento feito a Di Cavalcanti foram publicadas em menos de um mês no jornal O Globo, indicando como a iniciativa da construtora resultou em um case de marketing bem-sucedido.
Notas no jornal O Globo, 1969. Foto: Galatea.
Arte como estratégia no mercado imobiliário
Evidente que investir em obras de arte comissionadas como estratégia de diferenciação no mercado imobiliário não é algo novo. Mas o caso da pintura de Di Cavalcanti vendida na SP-Arte chama a atenção por configurar uma espécie de estudo de caso para avaliação deste tipo de investimento no longo prazo.
A “operação inversa”, de retirar o painel do edifício residencial e anunciá-lo numa grande feira de arte foi uma estratégia de valorização notável. E o fato de a pintura ter passado tantas décadas, de certo modo, “escondida” do público e até do mercado de arte, também favoreceu uma sensação de ineditismo (quase “descoberta”), especialmente porque o conjunto da obra de Di Cavalcanti é considerado amplamente conhecido. Assim como em 1969, a movimentação em torno da obra chamou novamente a atenção da mídia: a Folha de S. Paulo deu destaque ao assunto em duas publicações.
Obras expostas em área social no edifício 645 Melo Alves em São Paulo. Empreendimento da MOS. Foto: Divulgação/MOS.
Segundo a Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (ADEMI) do Rio de Janeiro, a incorporação de produções artísticas em edifícios residenciais tem como principal objetivo a valorização do empreendimento, uma vez que a presença de arte agrega valor intangível aos imóveis, diferenciando-os no mercado e justificando preços mais elevados. Além disso, as obras passam a compor a arquitetura dos edifícios, “oferecendo experiências culturais aos moradores”.
A construtora Gafisa, por exemplo, incorporou uma galeria de arte ao térreo do edifício Tom Delfim Moreira, no Leblon, com sete obras assinadas por Ernesto Neto, Vik Muniz, Irmãos Campana, Sebastião Salgado, Sônia Gomes, Claudia Andujar e Iole de Freitas, expostas em caráter permanente e privativo. Em matéria publicada no Valor Econômico em 2024, o vice-presidente de Negócios da empresa, Luis Fernando Ortiz, disse que “é muito difícil surpreender um cliente de luxo e a arte auxilia nesse sentido”.
A incorporadora MOS também inclui pequenas coleções de arte nos seus empreendimentos. De acordo com a empresa, “a arte integra a arquitetura, ampliando as possibilidades de experiência em cada ambiente”. Nestes projetos, artistas são convidados e expõem obras em áreas internas e externas dos prédios. Em um condomínio no bairro dos Jardins, em São Paulo, a MOS criou um espaço exclusivo para a exibição de obras de Ana Mazzei, Felipe Cohen, Renato Rios e Rodrigo Cass. Uma espécie de “galeria privativa”. Outros nomes integram o conjunto de artistas com obras que foram selecionadas para áreas comuns e apartamentos modelo, como Paulo Pasta e Fernanda Valadares.
A ADEMI estima que a presença de obras de arte pode valorizar um imóvel em até 20%, argumentando que a estratégia enriquece a experiência dos moradores e contribui para a valorização cultural das áreas urbanas.
Empreendimento privado para todo mundo ver
Uma matéria publicada pelo Estadão em 2023 destacava o uso da arte como estratégia comercial das construtoras. A manchete dizia: “Prédios de luxo encomendam obras de arte para ‘embelezar’ bairros”. Segundo o jornal apurou, a ideia é aumentar o engajamento com a comunidade: ao integrar “arte acessível ao público”, as incorporadoras estariam contribuindo para a valorização cultural da região.
A AG7, em Curitiba, desenvolveu uma escultura de Cláudia Jaguaribe para o empreendimento AGE360, promovendo “identidade e pertencimento”, não só entre os moradores, mas também aos “transeuntes”. Já a MDGP, também em Curitiba, incorporou paineis internos do escritório Burle Marx em empreendimentos anteriores e planeja uma escultura do Estúdio Campana na fachada do Edifício Amira Cabral.
Projeto artístico de Andrés Sandoval e PINA na fachada do prédio Pop Grafite em São Paulo. Empreendimento da IdeaZarvos!. Foto: Breno Damascena / Estadão
O Pop Grafite, edifício na Vila Madalena, em São Paulo, conta com uma intervenção artística na parede externa, produzida pelos artistas Andrés Sandoval e PINA. O projeto é da Triptyque Architecture e foi encomendado pela IdeaZarvos!. Em entrevista ao Estadão, o fundador e CEO da incorporadora, Otávio Zarvos, disse que foi “uma solução criada pelos próprios arquitetos responsáveis pelo projeto”, porque “chamar um artista apenas para vender mais unidades” não faria parte do escopo de marketing da empresa. Zarvos afirma que a empresa quer que o prédio “tenha um significado na cidade”.
Mais que um vernissage
Exposição da edição 2024 da “Real Estate of Art” da Helbor Empreendimentos S/A. Foto: Folha de S. Paulo
Uma variante deste modelo de estratégia é a realização de eventos, que levam potenciais compradores (além de muitos curiosos e imprensa) a visitar os empreendimentos de uma maneira diferente. A Helbor Empreendimentos, por exemplo, promove desde 2023 o “Real Estate of Art”: uma exposição realizada nos canteiros de obras, ainda durante a fase de construção dos edifícios. Em uma entrevista publicada na revista Veja em 2024, a diretora de Marketing da empresa, Fabiana Lex, disse que essa é uma maneira de se aproximar dos clientes “que vai além do morar, oferecendo uma forma mais lúdica de explorar a obra do prédio em si” e que, “enquanto olhavam as instalações de arte, eles foram descobrindo as dimensões da sala e a vista da varanda”. Para ela, a inclusão da arte nos empreendimentos da Helbor também está ajudando no posicionamento da marca: “Recebemos muitos apreciadores de arte nos eventos. São formadores de opinião de fora do mercado imobiliário, e isso agrega valor, além de ajudar a atrair novos clientes”.
Exposição “Misericórdia e Algazarra” no Edifício Misericórdia em São Paulo. Foto: Fabiano Sanches / Design Week.
Na região central de São Paulo, a realização de eventos também tem acelerado as vendas dos prédios da incorporadora Somauma. Nos últimos três anos, a empresa disponibilizou os edifícios Virgínia e Misericórdia, que estão passando por obras de retrofit, para receber instalações artísticas durante a agenda da Design Week. O edifício Virgínia chegou a ter 70% das unidades vendidas apenas 45 dias depois do lançamento.
Além de trazer bons resultados para as incorporadoras, todas essas estratégias do mercado imobiliário parecem ter um impacto positivo também para os artistas, considerando que suas obras são comissionadas ou selecionadas para estes empreendimentos. Resta entender o impacto na experiência de quem vive nesses espaços: como as pessoas percebem a presença da arte e de que maneira isso, de fato, influencia a decisão de compra.
Fontes:
A arte como estratégia no alto padrão – ADEMI-RJ
A arte como estratégia no alto padrão
Prédios de luxo encomendam obras de arte para ’embelezar’ bairros