A cultura descolada: adesivos, souvenirs e os novos museus

Adesivo “AMIGO MASP”. Foto: Divulgação

 

Recentemente colei em meu computador um adesivo azul, escrito “prelúdio”. Este adesivo esteve grudado na minha roupa quando entrei no novo prédio do MASP, no fim de semana de sua abertura, substituindo o tradicional adesivo com a sigla da instituição. Ele guarda, para mim, uma recordação deste momento, é uma evidência física de que estive lá e gosto, particularmente, do fato de não ter o nome da instituição escrito nele. Só quem esteve lá também – ou agora quem ler este texto – saberá o que significa este prelúdio caso veja meu adesivo.

Os adesivos de museus se espalham para além da roupa de seus visitantes. O ponto de ônibus na frente do MIS, por exemplo, é repleto de adesivos redondos coloridos e, quando andamos pela Paulista, é comum encontrarmos um “MASP” perdido por aí. Além disso, é possível ver adesivos de museus decorando objetos pessoais diversos: aquele celular foi ao MoMA, aquela carteira visitou a Pinacoteca; outros computadores, como o meu, parecem ter ido a museus pelo Brasil e pelo mundo. Mais do que a recordação, porém, os donos destes objetos parecem expressar orgulho ao decorá-los com evidências de que visitaram essa ou aquela instituição.

Adesivos do masp. Foto do autor

 

Existe uma fetichização dos museus que se evidencia nas “lojinhas” deles. Hoje é inimaginável um museu que não venda produtos com seu logo, onde as pessoas podem comprar bolsas, estojos, camisetas, lápis, entre outras bugigangas, que estampam o símbolo da instituição cultural escolhida. Estes objetos concorrem em espaço de estantes e atenção com o catálogo de exposições. Este traz informações e muitas vezes complementa as mostras, trazendo textos críticos, análises teóricas ou informações que não puderam estar expostas, mas parece sair perdendo face aos produtos exibíveis. Além disso, cada vez mais é possível ver folhetos informativos de exposições que se transformam e, ao desdobrá-los, descobrimos um pôster. Parece uma troca com seus visitantes, que precisam do estímulo de uma possível decoração para pegar informações que de outro modo deixariam passar.

Imagem do cartaz-folheto da exposição: Flieg – tudo que é sólido, do IMS

 

A mercantilização dos museus foi explorada por Otília Arantes, em um texto intitulado “Os novos museus”. Nele, a autora explora a crítica aos museus feita por Adorno, a partir de textos de Valéry e Proust, assim como a “teoria benjaminiana da distração”. Ela identifica o centro Pompidou como ponto de partida de uma mudança na indústria cultural. Com um aumento do público, “os próprios museus vão ser reformulados na medida desse novo contingente de visitantes-consumidores”. Isto, apesar de ser positivo por aumentar o número de visitantes, revela um problema: “a abolição da distância estética resolve-se num fetiche invertido: a cultura do recolhimento administrada como um descartável”.

Isso toma forma nos edifícios dos museus: “Estetização presente, em primeiro lugar, onde é mais escancaradamente visível, na própria arquitetura dos museus, arquitetura que cada vez mais se apresenta como um valor em si mesmo, como uma obra de arte, como algo a ser apreciado como tal e não apenas como uma construção destinada a abrigar obras de arte”. Os museus então se vendem como logo. O MASP é mais do que as obras, mais até do que seu prédio, se torna seu nome, um símbolo vendável e exibível que as pessoas podem comprar em diversos produtos, e exibir por aí.

Otília termina o texto adicionando um comentário seu à uma citação de Adorno: “‘O combate aos museus tem algo de quixotesco, não só porque o protesto da cultura contra a barbárie permanece sem eco (o protesto sem esperança é necessário)’; mas porque é ingênuo atribuir-se aos museus a responsabilidade (e agora sou eu quem o diz) de algo do qual eles não são senão um dos sintomas, embora um dos mais eloquentes, e que, por isso mesmo, constitui um dos temais candentes a serem debatidos no sentido de elucidar o real significado do momento histórico que estamos vivendo, desta cultura que muitos já batizam de cultura dos museus.

E aqui temos mais um motivo para usar estampado o logo de instituições culturais: mostrar apoio a elas. Em um mundo onde a barbárie parece assomar cada vez mais, onde instituições culturais são atacadas, seja pela falta de verba ou por ataques mais diretos, como os sofridos pelo MAM em 2017, envolvendo a performance de Wagner Schwartz, mostrar apoio a estas instituições é importante. Quando figuras como Trump combatem, por exemplo, universidades reconhecidas – e nossas cópias brasileiras não ficam muito atrás – os museus representam um ponto de resistência.

 

ARANTES, Otília B. F., Os novos museus, Novos estudos CEBRAP, v. 31, p. 161–169, 1991.

 

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