Brasil na Bienal de Veneza de Arquitetura – Entrevista com curadores

 

Eder Alencar, Matheus Seco e Luciana Saboia © Maressa Andrioli  Fundação Bienal de São Paulo

 

Brasil na Bienal de Veneza: Plano Coletivo propõe diálogos entre práticas ancestrais e estratégias contemporâneas

Na Bienal de Arquitetura de Veneza 2025, o Brasil é representado pelo Plano Coletivo, formado pelos arquitetos Luciana Saboia, Eder Alencar e Matheus Seco. A exposição RE(INVENÇÃO) propõe um diálogo entre práticas ancestrais e estratégias contemporâneas, refletindo sobre modos simbióticos de convivência entre sociedade, natureza e arquitetura. Em entrevista ao Estúdio Mees, o trio detalha a concepção do pavilhão e discute como a expografia e os materiais reforçam uma visão expandida de infraestrutura e espaço urbano.

 

Portal Mees (P.M.): A estrutura narrativa da exposição, dividida em dois atos, propõe uma justaposição entre passado e futuro, relacionando os conceitos de ancestralidade e urbanidade, numa nova perspectiva metodológica. Considerando a organização espacial do pavilhão, quais estratégias expográficas foram adotadas para que a transição do primeiro para o segundo ato fosse orgânica e superasse a dicotomia tradicional entre esses conceitos?

Plano Coletivo (P.C.): De fato, a exposição se organiza em dois atos, mas nossa intenção não foi estabelecer uma justaposição entre narrativas ancestrais e ações presentes no contemporâneo para projetar novas realidades, [trata-se de]dois modos de operar passado e presente que coexistem no tempo e nos oferecem pistas para enfrentar os desafios atuais e atuar no futuro. A primeira parte da exposição apresenta os geoglifos e os vestígios de ocupações humanas antigas na floresta amazônica, revelando uma infraestrutura ancestral baseada em equilíbrio e manejo ecológico. A segunda parte destaca estratégias contemporâneas para cidades brasileiras que também expressam modos de convivência simbiótica entre natureza, arquitetura e sociedade. A expografia parte de uma relação direta com o solo no primeiro espaço. No segundo espaço, os elementos se elevam e se articulam por meio de sistemas em equilíbrio, mas a ideia de continuidade está no próprio conceito de “infraestrutura”, que atravessa ambas as partes. 

 

“Trata-se de aprender com o passado para agir no presente, e não de um salto temporal.”

 

Vista da instalação no Pavilhão do Brasil na 19ª Bienal de Arquitetura de Veneza, parte da exposição (RE)INVENÇÃO. © ReportArch / Andrea Ferro Photography / Fundação Bienal de São Paulo

 

P.M.: No segundo ato, os elementos expográficos estão suspensos, fazendo com que as noções de peso e equilíbrio sejam super potentes. E a impressão de que as coisas estão flutuando no espaço também proporciona uma sensação de mágica e/ou xamanismo. Essas ideias foram consideradas no desenvolvimento do projeto ou são uma consequência natural da estratégia expositiva?

P.C.: A ideia de “flutuação” ou de uma atmosfera mágica não esteve no centro das nossas intenções, e sim reposicionar questões colocar em “suspensão” paradigmas e consensos em busca de novas formas de equilíbrio coletivo entre o natural e o artificial, embora compreendamos que a percepção do público de uma estrutura flutuante possa apontar para essas leituras. Nosso foco foi trabalhar com princípios físicos de equilíbrio, ação e reação, inspirados em sistemas construtivos simples, mas engenhosos, que tornassem visível a interdependência entre as partes. A leveza aparente resulta de um sistema estrutural que depende da interação entre paineis de madeira, pedras como contrapeso e cabos de aço. 

 

“Essa composição material [busca] refletir sobre como forças interdependentes, visíveis e invisíveis, mantêm a estabilidade; uma metáfora para as dinâmicas urbanas e ambientais.”

 

Vista da instalação no Pavilhão do Brasil na 19ª Bienal de Arquitetura de Veneza, parte da exposição (RE)INVENÇÃO. © ReportArch / Andrea Ferro Photography / Fundação Bienal de São Paulo

 

P.M. Em relação à paleta de cores da exposição, é notável a opção por um contexto mais “neutro”, definido pelo uso de branco, cinza e madeira, com pequenos detalhes em vermelho nos paineis. Quais princípios expositivos levaram à escolha dessa paleta? Em outras palavras, como essa opção cromática conversa com o conceito geral do pavilhão? 

P.C.: A ideia da composição da exposição é enfatizar a natureza dos materiais, assim como criar paralelos com a arquitetura do pavilhão. A arquitetura composta por dois espaços independentes, tem como elemento de conexão uma estrutura suspensa em concreto aparente que marca a entrada e enfatiza o diálogo com a paisagem do Giardini e os outros pavilhões circundantes. 

“As proporções do projeto arquitetônico dividido em dois espaços trazem luminosidades distintas para o espaço expositivo, leitura arquitetônica sensível entre interior e exterior.”

A neutralidade dos materiais enfatizam a natureza circundante do Giardini na primeira sala e na segunda sala, os paineis de LED reproduzem imagens de paisagens circundantes dos projetos e seus contextos urbanos presentes nas mais diversas regiões do país. Destaca-se a renovação do pavilhão do Brasil realizada no último ano, onde a primeira sala volta a ter a transparência para o jardim externo.

 

Vista da instalação no Pavilhão do Brasil na 19ª Bienal de Arquitetura de Veneza, parte da exposição (RE)INVENÇÃO. © ReportArch / Andrea Ferro Photography / Fundação Bienal de São Paulo

 

P.M.: Quando olhamos as imagens da Plataforma-Jardim, do Arrimo Habitado e dos geoglifos encontrados no Acre, a presença do verde e de vegetação predomina. Ao não incorporar essas características ao Pavilhão, a expografia surpreende. Vocês podem comentar um pouco sobre essa escolha? 

P.C.: Em vez de simular ou representar diretamente a vegetação decidimos trabalhar com a ideia de ausência como estratégia de evocação. A floresta amazônica, por exemplo, está presente nos desenhos e mapas topográficos gerados a partir de escaneamentos a laser, sem que fosse necessário representar fisicamente a vegetação. Assim como nas imagens projetadas nos paineis. O desenho passa a ter um papel primordial na discussão das estratégias projetuais e suas formas de representação coletiva de infraestruturas verdes e de espaços coletivos.

 

Evitamos assim transformar a floresta em cenário, preservando sua densidade simbólica e histórica.”

 

Vista da instalação no Pavilhão do Brasil na 19ª Bienal de Arquitetura de Veneza, parte da exposição (RE)INVENÇÃO. © ReportArch / Andrea Ferro Photography / Fundação Bienal de São Paulo

 

P.M.: A adoção de uma expografia baseada em sistemas desmontáveis e materiais recicláveis vai além da sustentabilidade formal e se conecta a um pensamento de projeto expandido. Como essa abordagem material e processual desafia os modelos convencionais de montagem institucional em exposições de grande porte como a Bienal de Veneza?

P.C.: A estrutura expográfica não é apenas um suporte funcional, mas uma manifestação física da própria ideia que se apresenta em (RE)INVENÇÃO.

 

Acreditamos que esse gesto, de projetar com consciência da desmontagem, da reconfiguração e da materialidade temporária, tencionamos a lógica convencional de produção e descarte comum em mostras de grande escala.”

 

Vista da instalação no Pavilhão do Brasil na 19ª Bienal de Arquitetura de Veneza, parte da exposição (RE)INVENÇÃO. © ReportArch / Andrea Ferro Photography / Fundação Bienal de São Paulo

 

P.M.: Ao propor o conceito de “infraestrutura simbólica”, vocês subvertem o entendimento tradicional da infraestrutura como suporte físico. De que maneira isso propõe um novo vocabulário e novas estratégias para se pensar políticas de espaço e cultura?

P.C.: A ideia de “infraestrutura” como condição de vida e configuração de paisagens habitadas surge do reconhecimento de que formas de ocupação, organização e manutenção do território não se restringem ao plano técnico ou funcional. Tanto os geoglifos amazônicos quanto às práticas urbanas contemporâneas analisadas na exposição revelam modos de vida que constroem espaço por meio de relações simbólicas, sociais, ecológicas e culturais. Ao reconhecer essas “infraestruturas invisíveis” como agentes legítimos de ordenamento e produção do espaço, propomos ampliar o vocabulário técnico da arquitetura e do urbanismo.

 

“Isso tem implicações diretas nas políticas públicas, pois desafia os critérios de legitimidade com os quais se definem “soluções” para cidades e territórios.”

 

Malha-Anfíbia. Distrito urbano do município de Afuá – Para, 2025 ©Fundação Bienal de São Paulo

 

A edição de 2025 da Bienal de Arquitetura de Veneza (19ª Mostra Internacional de Arquitetura) vai até 23 de novembro. A curadoria desta edição é do arquiteto e engenheiro italiano Carlo Ratti e tem como tema “Intelligens“, que explora três dimensões da inteligência: natural, artificial e coletiva, para enfrentar o desafio das mudanças climáticas. 

Vista da instalação no Pavilhão do Brasil na 19ª Bienal de Arquitetura de Veneza, parte da exposição (RE)INVENÇÃO. © ReportArch / Andrea Ferro Photography / Fundação Bienal de São Paulo

 

 

Serviço:

Pavilhão do Brasil na 19ª Mostra Internacional de Arquitetura – La Biennale di Venezia
Local Pavilhão do Brasil
Endereço Giardini Napoleonici di Castello, Padiglione Brasile, 30122, Veneza, Itália
Data 10 de maio a 23 de novembro de 2025
Comissária Andrea Pinheiro, Presidente da Fundação Bienal de São Paulo
Colaboradores André Velloso, Carolina Pescatori, Cauê Capillé, Daniel Mangabeira, Guilherme Lassance, Henrique Coutinho, Sérgio Marques [Plano Coletivo]

 

Conheça os curadores do Plano Coletivo

Luciana Saboia: arquiteta formada pela Universidade de Brasília, UnB (1997), doutora em teoria e história da arquitetura e da cidade pela Université Catholique de Louvain, UCLouvain (2009) e pesquisadora visitante no Office for Urbanization da Harvard Graduate School of Design, GSD (2017). É professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (FAU Unb) e pesquisadora com vasta experiência em paisagem e apropriação social. Saboia desenvolve pesquisas focadas nas transformações ambientais e sociais das periferias metropolitanas. Com atuações internacionais, ela propõe novas estratégias para o projeto da paisagem, que refletem sua visão crítica e engajada sobre a arquitetura e o planejamento urbano.

 

Eder Alencar: arquiteto formado pela Universidade de Brasília, UnB (2010). É sócio-fundador do ARQBR Arquitetos, onde desenvolve um trabalho que combina a relação da arquitetura com o contexto local a um profundo compromisso com a crítica arquitetônica, buscando sempre responder às escalas humanas e paisagísticas de cada projeto. Junto ao ARQBR, possui um histórico de prêmios em concursos públicos de grande relevância.

Matheus Seco: arquiteto formado pela Universidade de Brasília, UnB (1999), é mestre em architectural design pela Bartlett School of Architecture, UCL, (2004). Sócio-fundador do BLOCO Arquitetos, desenvolve um trabalho que reflete um interesse na relação direta do projeto com condicionantes específicas e respeito pelo contexto local. Junto ao BLOCO, foi premiado em concursos nacionais e internacionais de obras construídas.

 

Sobre o Plano Coletivo

O Plano Coletivo é um grupo de arquitetos, professores e pesquisadores que possuem interesses e formações diversas e colaboram de forma livre em torno de dois objetivos comuns: discutir o território urbano como narrativa crítica e refletir sobre arquitetura como ação socioambiental.

 

Sobre a participação brasileira na 19a Mostra Internacional de Arquitetura

A prerrogativa da Fundação Bienal de São Paulo na realização da representação oficial do Brasil nas bienais de arte e arquitetura de Veneza é fruto de uma parceria de décadas com o Governo Federal, que outorga à Fundação Bienal a responsabilidade pela nomeação da curadoria e pela concepção e produção das mostras em reconhecimento à excelência de seu trabalho no campo artístico-cultural. Organizadas com o intuito de promover a produção artística brasileira no mais tradicional evento de arte do mundo, as exposições ocorrem no Pavilhão do Brasil, projetado por Henrique Mindlin e construído em 1964.

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