Andy Warhol. “Pelé”, 1977. ©The Andy Warhol Foundation for the Visual Arts, Inc./ Licenciado por Artists Rights Society (ARS), Nova York.
A maior exposição de Andy Warhol no Brasil apresenta, entre outras obras icônicas, o retrato de Pelé. É a primeira vez que o retrato é exibido no país – berço do ícone do futebol mundial.
A exposição “Andy Warhol: Pop Art!” acaba de abrir em São Paulo. Com mais de 600 obras, essa é a maior mostra do artista realizada no Brasil até hoje. A exposição apresenta obras importantes de toda a trajetória de Warhol (1928-1987) e, entre elas, os icônicos retratos de Marilyn Monroe, Pelé e Elvis. Enquanto a redação do Portal Mees não visita a mostra, trazemos a história de uma obra emblemática, que faz parte da série “Atletas” (1977-1979): o retrato de Pelé (1977).
O encontro entre o Rei do Futebol e o Rei do Pop é um grande exemplo de como o processo de criação e a produção de Warhol desafiou a noção tradicional de arte, incorporando elementos da publicidade, da cultura popular e da indústria de massa. Tendo a fama como um dos principais temas de interesse (e desejo) do artista, a popularidade global e sem precedentes de Pelé (1940-2022) foi uma “bola de ouro” para Warhol e seu (também famoso) colecionador Richard Weisman (1940-2018).
Nova York – a cidade onde ninguém dorme
Em 1975, Pelé passou a defender a camisa do time Cosmos, de Nova York (EUA). E foi lá que ele e Andy Warhol se conheceram. Depois de uma partida, o jogador foi convidado por um amigo (o jornalista brasileiro Lucas Mendes) para um “jantarzinho”. Segundo o próprio Pelé disse em uma entrevista de 2019 para a Folha de S. Paulo, Warhol lhe foi apresentado assim: “Este aqui é o Andy Warhol, seu fã”. Além de não falar bem inglês, o jogador perguntou para o amigo: “Quem é esse Andy Warhol? Boa gente, mas o que ele faz?”.
Andy Warhol. Polaroid de Pelé, 1977. 10.8 x 8.5 cm. Coleção Harry Ransom Center. Doação da Andy Warhol lá Foundation, 2016. ©The Andy Warhol Foundation for the Visual Arts, Inc. / Licenciado por Artists Rights Society (ARS), Nova York.
Alguns anos depois, em março de 1977, o famoso colecionador Richard Weisman encomendou a Warhol uma série de retratos de dez grandes esportistas da época. E, entre eles, estava Pelé. Quatro meses depois, jogador e artista se encontraram na sede da Warner Communications, a controladora do time Cosmos, para a primeira sessão de fotos, na qual Warhol usou sua câmera de sempre: uma Polaroid Big Shot. O dia do encontro ficou registrado em “Diários de Andy Warhol” (editora L&PM, 1989 e 2012):
Quarta-feira, 13 de julho de 1977. De táxi até a Rockefeller Plaza para ir ao escritório da Warner Communications ver Pelé (…). Ele é adorável, lembrou que me encontrou uma vez no Regine’s. (…) Ele tem uma cara engraçada, mas quando sorri fica lindo. Ele tem o seu próprio escritório lá e estão fabricando camisetas e chapéus e histórias em quadrinhos.
Andy Warhol e Pelé, 1977. Foto: Claudia Larson. ©The Andy Warhol Foundation for the Visual Arts, Inc. Licenciado por Artists Rights Society (ARS), Nova York.
No ano seguinte, em janeiro de 1978, Pelé e Warhol se encontraram na galeria Coe Kerr (do dealer Frederick Woolworth, que funcionou de 1963 até 1995) e assinaram juntos o verso das serigrafias.
O jogador não mencionou os encontros com Warhol no seu livro “Pelé, a autobiografia” (editora Sextante, 2006). Mas, como visto, o artista falou sobre Pelé em algumas ocasiões. O site da editora L&PM tem uma descrição da publicação pertinente a esta matéria:
De 1976 até sua morte em 1987, Andy Warhol telefonava todas as manhãs para a escritora Pat Hackett, sua amiga e colaboradora, e relatava os acontecimentos das últimas 24 horas (…). O relato que começou despretensiosamente, com o passar do tempo transformou-se no diário mais sincero e compulsivo já escrito por uma personalidade deste século. Após a morte do artista, “Diários de Andy Warhol” foi organizado e publicado por Pat, provocando processos e arrepios nos bilionários e mega-stars internacionais. Mick Jagger, Ronald Reagan, Truman Capote, John Lennon e Yoko Ono, Fellini, Pelé, Jack Nicholson, Madonna e mais centenas de pessoas famosas estão expostas em comentários que vão do chocante ao hilariante.
Naquele mesmo ano de 1978, Warhol apresentou a obra “Pelé” em um jantar oferecido ao jogador. O artista registrou:
Quarta-feira, 27 de setembro de 1978. O pai e a mãe de Pelé estavam lá e eles são uma graça, e a mulher dele [Rosemeri] é branca, mas todo mundo é de uma cor diferente na América do Sul —os pais dele também são de cores diferentes”.
Andy Warhol e Pelé, 1978. Jantar oferecido por Ahmet Ertegun. Warner Communications. Fotógrafo anônimo.
Como assíduos frequentadores da cena noturna nova iorquina, eles voltaram a conversar mais algumas vezes, em lugares como Studio 54 e o Club A.
Sexta-feira, 15 de março de 1979. Fomos ao Laurent onde Dalí tinha nos convidado a jantar, havia umas 40 pessoas lá. Então, os garotos quiseram ir à festa da Xenon para Pelé. Nova York está tão cheia de brasileiros que parece que aqui é o Carnaval.
Vida longa aos Reis
Após a morte do colecionador Richard Weisman, em novembro de 2019, parte de sua coleção, incluindo a série “Atletas” com a serigrafia “Pelé”, foi vendida pela Christie’s. A obra retratando o jogador foi arrematada por US$855 mil (cerca de R$3,58 milhões, em valores da época). Esse número só ficou abaixo do retrato do pugilista Muhammad Ali, que foi vendido por pouco mais de US$10 milhões.
Vale dizer que até o final dos 1960, as celebridades eram exclusivamente artistas do rock ou de Hollywood, como Marilyn Monroe e Elvis Presley. A partir da década de 1970, atletas também começaram a ocupar os postos de “astros da mídia”. E Warhol captou essa mudança no paradigma da indústria cultural. Segundo o jornalista Cláudio Leal, em reportagem escrita para a Folha de S. Paulo em 2022, a fama de Pelé era “tão atraente para Andy como uma lata de sopa Campbell’s ou um gigantesco anel nos dedos de Elizabeth Taylor. Aquilo, sim, era futebol-arte.”.
Andy Warhol. Polaroid de Pelé, 1977. 10.8 x 8.5 cm. ©The Andy Warhol Foundation for the Visual Arts, Inc. / Licenciado por Artists Rights Society (ARS), Nova York.
Segundo a Christie’s, Weisman era um ávido fã de esportes e reconheceu a crescente comercialização do esporte naquela época: “ele via a série ‘Atletas’ como uma forma de desafiar Warhol sobre a natureza mutável da fama”.
Andy Warhol e Richard Weisman na apresentação da série “Atletas”. Columbus, 1979. Fotógrafo anônimo. ©The Andy Warhol Foundation for the Visual Arts, Inc. Licenciado por DACS, Londres.
Graças aos rápidos avanços na transmissão televisiva, os campeões esportivos da década de 1970 estavam começando a alcançar o mesmo nível de popularidade que outros artistas. E, com o tempo, as obras da série foram reproduzidas em diversas revistas e outdoors por todo o EUA, promovendo uma grande variedade de produtos: de roupas esportivas a carros e cereais matinais.
Pelé foi o único brasileiro a ser retratado por Andy Warhol e não há registros de que o jogador tenha ganhado ou comprado uma das edições de seu retrato. Em 2022, no dia em que o jogador morreu, a Warhol Foundation publicou uma foto da obra em suas redes sociais. Várias matérias disponíveis online afirmam que Warhol disse que “a fama de Pelé não duraria 15 minutos, mas 15 séculos.”
Se o tamanho da fama fosse uma competição, Warhol perderia de goleada para Pelé. Mas a genialidade da exploração irônica da cultura de massa e do consumismo que Warhol estabeleceu (e viveu de modo tão intenso) continua sendo um marco incontornável na história da arte e do pop mundial.
Fontes:
HACKET, Pat; WARHOL, Andy. “Diários de Andy Warhol – Volume 1”. Editora L&PM, 2012. Tradução: Celso Loureiro Chaves.