SP-Arte no Pavilhão da Bienal. Divulgação/SP-Arte, 2025.
Maria Lúcia Neder e Letícia Nishioka comentam como o espaço influencia o fluxo, a experiência do visitante e a presença das galerias na feira.
Durante a realização da SP–Arte, a arquitetura do Pavilhão da Bienal – ícone modernista de Oscar Niemeyer, é parte ativa da narrativa expositiva da feira. Nesta entrevista, as arquitetas Maria Lúcia Neder e Letícia Nishioka, responsáveis pelo desenho expográfico do evento, compartilham os bastidores do projeto, os desafios de adaptar um edifício tombado às dinâmicas do mercado de arte e a criação de fluxos que equilibram experiência estética, funcionalidade e mercado. Um olhar criativo sobre a expografia em um dos maiores eventos de arte da América Latina. Também trazemos algumas comparações com outras feiras internacionais, a fim de ampliar a reflexão sobre como o espaço pode moldar as experiências de negócio no mercado de arte.
“No projeto expográfico da SP-Arte, acreditamos que a identidade arquitetônica do Pavilhão é revelada pelo contraste das formas ortogonais dos estandes de cada galeria com os espaços de respiro que são localizados em sua maioria nas curvas dos mezaninos internos…”
Galeria Marco Zero. 1o piso do Pavilhão. Vista da Rampa. Divulgação/SP-Arte, 2025.
MESS (M.): A SP–Arte ocupa o icônico Pavilhão da Bienal, projetado por Oscar Niemeyer. Como a arquitetura modernista do edifício influencia o desenho expositivo da feira?
O espaço, marcado por sua fluidez e grandes vãos livres, permite muitas possibilidades. Em feiras como a Art Basel e a Frieze, vemos layouts que enfatizam percursos mais ortogonais e uma organização setorizada mais rígida. No caso da SP–Arte, há desafios específicos na adaptação ao edifício? Como vocês equilibram a identidade arquitetônica do Pavilhão com as necessidades da expografia da feira?
Arquitetas (ARQ.): O projeto do Pavilhão da Bienal em sua época de concepção não foi desenhado pensando em abrigar espaços de exposição desse gênero. Então, ainda mais se tratando de um edifício tombado, as possibilidades de interferência em seu espaço não são muitas. Mas não vemos essas características do edifício como limitações, e sim como possibilidades de criar ambientes diferentes que dialoguem com o Pavilhão.
Assim, tentamos equilibrar a área dos estandes com espaços de corredores e respiros, a fim de criar tanto bons ambientes para cada galeria quanto uma circulação fluida para os visitantes, principalmente em dias de maior movimento. No projeto expográfico da SP-Arte, acreditamos que a identidade arquitetônica do Pavilhão é revelada pelo contraste das formas ortogonais dos estandes de cada galeria com os espaços de respiro que são localizados em sua maioria nas curvas dos mezaninos internos, assim como o pé-direito maior nos pavimentos térreo e 2º, que permite a entrada de luz, a vista do parque e o uso das estruturas do forro para instalações no setor de arte e design.
Segundo piso do Pavilhão. Divulgação/SP-Arte, 2025.
M.: A feira é organizada por andares e isso parece refletir diferentes setores do mercado de arte. Esse tipo de organização é intencional?
Na Art Basel, por exemplo, há seções claramente separadas para galerias estabelecidas e emergentes. Já na Frieze Masters, há uma distinção entre arte moderna e contemporânea. No caso da SP–Arte, como a disposição espacial ajuda a contar a história do mercado brasileiro e a criar fluxos de visitação coerentes?
ARQ.: Sim, a divisão é intencional. O térreo é destinado ao design, o primeiro e o segundo pavimento à arte e o novo terceiro pavimento ao Collectors Lounge. A distinção feita sobretudo nos pavimentos destinados às galerias de arte é relacionada a uma certa categorização de obras modernas e contemporâneas.
Essa divisão auxilia também nas demandas de cada setor. O setor de design requer menos paredes que o setor de arte, por exemplo. A iluminação também é mais diversa para esses expositores, que apostam em sistemas de iluminação mais focais, usando o pé-direito triplo do térreo como suporte. Passando para a o primeiro pavimento com foco em arte moderna, os espaços são mais amplos e possuem mais paredes para abrigar obras. O setor de arte contemporânea no segundo pavimento já aumenta a altura do pé direito e de suas paredes, criando a possibilidade de expor obras e instalações de maior porte.
Estande da galeria Continua. 2o piso do Pavilhão. Divulgação/SP-Arte, 2025.
M.: Além do layout geral da feira, cada galeria projeta seu próprio estande. Como funciona esse diálogo entre a expografia da feira e a dos expositores?
Feiras como TEFAF, em Maastricht, são conhecidas por layouts de estandes mais individualizados, onde as galerias criam ambientes que simulam espaços institucionais. Já na FIAC, em Paris, vemos uma tendência de estandes mais abertos e minimalistas. No contexto da SP–Arte, há alguma diretriz para manter uma coesão visual ou a liberdade dos expositores é total?
ARQ.: O projeto expográfico da feira abriga os projetos individuais dos estandes de forma harmônica e complementar. O diálogo resultante dessa convivência é muito plural, e apesar das galerias possuírem liberdade no projeto expográfico individual de cada estande, elas devem seguir algumas diretrizes construtivas, não só para mantermos uma coesão visual, como também para viabilizar a execução autônoma do projeto da SP-Arte. A feira possui um padrão de espessura e altura de paredes, luminárias, tomadas, portas para depósito de obras, etc, que otimizam o cronograma e a logística de montagem, sem limitar os espaços dos expositores.
Exposição “Inteligência Material”. Piso térreo do Pavilhão. Divulgação/SP-Arte, 2025.
M.: A SP–Arte inclui espaços além dos estandes das galerias, como a Arena Iguatemi e a exposição “Inteligência Material”. Como esses ambientes impactam a experiência do visitante e o ritmo da feira?
O modelo de feiras como a ARCOmadrid tem investido em espaços interativos e de debate como parte essencial da programação. Como vocês pensam esses espaços de socialização dentro da SP–Arte? Há uma preocupação em criar momentos de respiro na circulação, para equilibrar a experiência intensa da visitação?
ARQ.: Acreditamos que esses espaços de socialização não servem somente para um respiro na circulação, mas também para complementar a visita de todos na feira. A exposição “Inteligência Material” é um exemplo disso, pois foi uma área que trouxe um debate muito proveitoso sobre o design contemporâneo, oferecendo uma nova forma de analisar os diálogos entre o designer e o material na concepção de uma peça.
Os ambientes do Collectors Lounge no terceiro pavimento, sobretudo o Premium Lounge, foram idealizados como extensão da experiência da feira. Os espaços fluidos permitem que o visitante circule, interaja e construa relações em um ritmo diferente. Esse encontro é engrandecido pelas discussões trazidas ao público pelo Palco SP-Arte, localizado no mesmo pavimento.
Por fim, os lounges de patrocinadores e parceiros, os restaurantes e os bares, além de áreas de respiro, funcionam como espaços estratégicos de troca, onde encontros informais podem se transformar em conexões significativas e colaborações futuras.
M.: A arquitetura das feiras de arte costuma ser pouco debatida publicamente. Por que você acha que esse aspecto do evento recebe menos atenção do que outros elementos?
Enquanto vemos muitas discussões sobre curadoria, mercado e artistas, o desenho expositivo nem sempre ganha destaque na cobertura midiática. Você acredita que essa percepção está mudando? Quais são os desafios de comunicar a importância da expografia para o público da feira?
Premium Lounge. 3o piso do Pavilhão. Divulgação/SP-Arte, 2025.
A expografia é silenciosa. Considerando sua função, o desenho expositivo é pensado para ser imperceptível e para permitir todas as expressões artísticas sem mesclá-las. É complexo dar realce a algo que deve ser invisível no espaço. Antes de expressar sua importância ao público, é necessário que a noção de expografia seja reconhecida por ele. Assuntos como curadoria, mercado e artistas são centrais para a dinâmica de uma feira como a SP-Arte.
O espaço de cada galeria reflete de maneira individual a expressão criativa de seus artistas por meio da visão idealizada por seu curador, sendo inevitavelmente tocada pelo mercado de arte. O público, por sua vez, entra em contato direto com esse espaço concebido para atrair seu olhar para essa expressão. A expografia, enquanto isso, possui a função de tecer uma narrativa coerente que englobe as diversas expressões artísticas apresentadas pelos expositores e artistas, ao mesmo tempo garantindo um fluxo eficiente e agradável para o visitante. A expografia gera uma conexão e uma separação ao mesmo tempo, proporcionando um percurso que agregue à experiência do usuário sem ruídos com os elementos que compõem o espaço.
Maria Lúcia Neder (1998, São Paulo – SP) é graduada pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU USP) e está cursando pós-graduação na Escola da Cidade. Ela é Head de Arquitetura na SP-Arte. @maluneder
Letícia Nishioka (1999, São Paulo – SP), é graduada pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU USP) e é arquiteta na SP-Arte. @lenishioka